21 de abril de 2007

Mão Morta - Os Cantos de Maldoror


A banda com o nome Mão Morta vai apresentar a 11 e 12 de Maio, no Theatro Circo, o espectáculo "Os Cantos de Maldoror". Trata-se de uma adaptação para o palco da obra homónima do Conde de Lautréamont, pseudónimo, talvez heterónimo, de Isidore Ducasse, um livro intenso e ferozmente anti-social, datado de 1869. Adolfo Macedo (Luxúria Canibal) classifica de "revolucionário" um discurso carregado de ódio e alucinações, abundante em provocações e insultos dirigidos aos valores instituidos na sociedade vincadamente burguesa, entediante e castradora, que dominou o século XIX, tudo isso envolto em atormentados cenários de pesadelo.

Nada tem de revolucionário, o livro. Não oferece um só esboço de utopia, não tece sequer uma qualquer intenção de crítica política, social ou económica, limitando-se a uma pretensão: ser shocking, o que nos finais de oitocentos era muito "bem", principalmente nos meios académicos e intelectuais. O aviso a leitores sensíveis fica, desde logo, feito no canto primeiro, estrofe 1, desaconselhando-os a prosseguirem a leitura ("Par conséquent, âme timide, avant de pénétrer plus loin dans de pareilles landes inexplorées, dirige tes talons en arrière et non en avant."). Por outras palavras, tem bolinha.
Considerando este discurso assim tão agressivo, a potência da voz de Luxúria e os sons pesados da banda com o nome Mão Morta, pode-se com legitimidade esperar um espectáculo capaz de proporcionar algumas emoções fortes. Por outro lado, para quem, na juventude, viajou num cenário arrepiante de abruptas arribas sobre furiosos mares e debaixo de céus tempestuosos a contextualizar terríveis gritos de raiva herética, desespero e desejo selvagem, o mesmo espectáculo corre o risco de se tornar completamente frustrante e inofensivo.


"Querem ser rebeldes? Sejam-no aqui!"

A representação de "Os Cantos de Maldoror" por Mão Morta no Theatro Circo, a mais notável instituição cultural da autarquia bracarense, parece assumir o mesmo papel que o do muro do Parque Radical construído para alojar os graffitti dos rappers, skaters e outras tribos urbanas e conter assim os efeitos potencialmente vandalizadores desta actividade mais ou menos marginal.
A banda com o nome Mão Morta é hoje apenas uma memória de uma outra, de culto, que ostentou este nome. É um grupo de homens de meia-idade, advogados e outras honradas profissões que lhes permitem ter uma vida calmamente burguesa. O Adolfo Luxúria Canibal dos Mão Morta automutilava-se frente ao público, no palco do extinto Rock Rendez Vous. Hoje em dia, a banda com o nome Mão Morta serve apenas, e de vez em quando, para esvaziar de conteúdo as poucas manifestações culturais de uma certa marginalidade que tinham conseguido sobreviver (mesmo que como fósseis vivos), ou por esquecimento, ou por ausência de potencial de lucro, à voragem integradora da sociedade de consumo. Tornou-se assim, esta banda, um instrumento do poder económico e político, embora à escala provinciana (e parola) de uma autarquia minhota. A verdade é que há muito, pelo menos desde 1997, ano da produção de Müller no hotel Hessischer Hof no CCB, que seguiu o destino do velho Rock Rendez Vous.

Info:
www[ponto]mao[hífen]morta[ponto]org[barra]index[ponto]htm
Olha! Apetece-me!


5 comentários:

Isabel disse...

Da actual composição da banda conheço pessoalmente, tal como tu, o próprio Adolfo, o Miguel e o Rafael e chamá-los homens de meia-idade é arrumares com todos nós para um desconfortável banco de jardim.

Podem não ter a pujança e o impacto de outros tempos, mas para mim a música dos Mão Morta é agora de um som mais apurado e trabalhado.

As imagens são pertinentes (mais uma vez Doré) e as ligações esclarecedoras. Com tanta publicidade pode ser que arranjes dois convites, um para ti e outro para mim.

Pedro Leite Ribeiro disse...

Bancos de jardim enquadram melhor com idosos reformados.
Não me parece que vá conseguir convite algum... Ah, ah!

Lâmina d'Água & Silêncio disse...

O Grafitti está perfeito...

Uma vez vi um enorme muro em Havana, Cuba, que contornava toda uma quadra e nem sei o que havia lá dentro, mas por fora o muro era todo grafitado com uma cena ligada a outra, dando continuidade e lembrando cotidiano comum e nele estavam pintadas figuras e objetos imensos, encostados na pintura de uma tela de arame que envolvia toda a paisagem e de onde podía-se ver através dela, um gramado de um desses jogos quaisquer que eu não sei. Havia em um dos buracos pintados na tela de arame para a proteção do gramado, um buraco grande e nele, uma velha uma toalha velha e esfiapada em um tom de vermelho desbotado; um balde com panos de limpeza, vassouras e produtos e uma enorme bicicleta. Fiquei tão encantada que me botei a fotografar aquele cenário teatralmente urbano... Ainda tenho algumas fotos daquelas... Acho...

Um lindo final de semana pra ti!!!
Beijo,
Cris

Isabel disse...

O meu tradutor é do tempo em que a reforma acontecia com a terceira idade, seja lá o que isso for!

Pedro Leite Ribeiro disse...

Também não faço ideia, mas sinto que vou já numa inumerável idade (talvez uma quarta a fundo). :) O meu tradutor deixou de funcionar com a artrose e a arterosclerose e para o banco de jardim terei que levar uma almofadinha para não trilhar os ossos.
Claro que adoro ficcionar...! :D