Na informação, que ha oito dias transmittimos aos nossos leitôres, de que a órdem pública não tinha sido perturbada em Lisbôa, contrariando assim os boatos que corriam por tôdo o país, e aos quaes dava uma certa verosimilhança a intimação feita á imprensa portuense pâra se abstêr de referências aos últimos acontecimentos, davamos uma informação exacta, mas não diziamos tôda a verdade por que a isso se oppunha aquella mêsma intimação.
Dias depois, produziam-se na capital factos de muita gravidade, que ainda estamos inhibidos de referir circumstanciadamente. Apenas nos é permittido reproduzir ipsis verbis, a nota officiosa que sôbre os alludidos acontecimentos o govêrno forneceu á imprensa, sendo portanto da exclusiva responsabilidade moral do govêrno tanto a narrativa succinta dos factos como a apreciação dêlles.
Eis a nota, que se refere á noite de 28 do mês findo:
Na noite de hontem fôram atacados em vários pontos da cidade muitos agentes da autoridade, sendo assassinado um guarda civil e ficando feridos outros. A fórma como se deram os acontecimentos não deixa dúvida sôbre a existência do plano de um louco attentado contra a segurança do Estado, concertado largamente entre os mêsmos elementos que intervieram em occorrências anteriôres.
Realizaram-se bastantes prisões de indivíduos que tomaram parte nos factos, contando-se entre os prêsos algumas individualidades mais em vista nos partidos republicano e dissidente.
Fêz se a apprehensão de muitos revólveres e de outras armas.
O govêrno, que dispõe de tôdos os elementos necessários para vigorosamente assegurar a tranquillidade pública de que depende a órdem atacada- por uma pequena minoria de ambiciosos violentos e dementados, reuniu hôje em consêlho, occupando-se dos acontecimentos e da maneira de tornar prompta a repressão dos autôres e agentes dos attentados e rapidamente afastar aquêlles que insistente e criminosamente teimam em atacar a órdem e compromettêr, sem escrúpulos, a fortuna pública e a dos particulares.
E pois que sómente podemos servir-nos das versões officiaes ou officiosas traduziremos do jornal parisiense Le Matin o seguinte telegramma datado de 27 de janeiro (véspera dos acontecimentos referidos) e que é encimado por êstes dizêres:
Uma declaração do sr. João Franco. Sobre a situação em Portugal.
Lisbôa, 27 de janeiro - Telegramma particular do Matin. O sr. João Franco, presidente do consêlho de Portugal, têve a bondade de retardar alguns momentos o consêlho de ministros para, em presença de alguns dêlles e no tom de uma risônha tranquillidade, me fazêr as declarações seguintes:
-Póde v. dizêr aos leitôres do Matin que não ha fundamento algum nos boatos alarmistas relativos a Portugal. É certo que descobrimos provas de intentos contrários á órdem pública. Mas logo que chegaram ao nosso podêr indicações sufficientes, tomamos as medidas necessárias pâra anniquillar a conspiração. Prendemos os principaes organisadôres da agitação e talvêz ainda prendamos outros. Serão julgados pêlos tribunaes e tudo leva a crêr que êlles serão sómente postos fóra da fronteira, exactamente como no vosso país se procedeu com mr. Deroulede e seus amigos. Uma vêz restabelecida a tranquillidade, poderão voltar, mas é preciso que a tranquillidadade tenha resurgido.
A campanha actual não me é pessoalmente desagradável; ao contrário. Quanto mais importância tiverem adquirido os adversários mais brilhante será o meu triumpho. Mas nós precisamos tranquillisar o estrangeiro. As notícias alarmistas tem, com effeito, acarretado a Portugal um descrédito que compromette a obra política e financeira que nós queremes levar a effeito.
-Poderá dizêr-me, sr. presidente de consêlho, contra quem era dirigida a conspiração? Era contra v. ex.ª?
-Provavelmente contra mim, entre muitos outros, visto que eu sou o principal obstáculo.
-E a conspiração militar?
-Póde desmentir cathegoricamente êsse boato e tôdos os outros, mais ou menos bem intencionados, que circulam.
Espero (conclue o correspondente do Matin) que vós constatareis commigo daqui a alguns dias que o presidente do consêlho estava bem informado.
***
Um facto que tem impressionado a opinião pública, e que não se póde dizêr esteja ligado aos acontecimentos a que vimos alludindo, é a série continuada de declarações públicas de adhesões ao partido republicano, feitas por grande número de cidadãos que até aqui militavam noutros partidos ou eram abstencionistas em matéria política, e entre os quaes se contam médicos, advogados, professôres, capitalistas e proprietários.
Gazeta das Aldeias, 1908, Primeiro Semestre.
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