2 de fevereiro de 2007

O Regicídio - V (Depois do regicídio)

Primeiro governo do reinado de D. Manuel II. Dois ministros do Partido Regenerador, dois do Progressista e três independentes.


Está constituído pêla seguinte fôrma o nôvo ministério:
Presidência e reino, Ferreira do Amaral (sem partido).
Estrangeiros, Wenceslau de Lima (regeneradôr).
Marinha, Augusto de Castilho (sem partido).
Justiça, Campos Henriques (regeneradôr).
Fazenda, Manoel Espregueira (progressista).
Guerra, Sebastião Telles (progressista).
Obras públicas, Calvet de Magalhães (sem partido).


O programa do novo governo

Programma do nôvo govêrno
Em consêlho de ministros effectuado no dia 4, ficou assente o programma do nôvo ministério, cujos pontos principaes são os seguintes:

Annular immediatamente os decretos de 20 de junho e 21 de novembro, o primeiro relativo á imprensa e o segundo á alçada policial, e ainda o decreto de 31 de janeiro; entregar a instrucção e julgamenlo dos delictos políticos praticados anteriormente á tragédia do dia 1, aos tribunaes ordinários, conforme a legislação que existia, com a manutenção das immunidades parlamentares estabelecidas na Carta, que diz respeito quer á prisão, quer á instrucção do julgamento dos processos relativos aos pares e deputados; annular os decretos dictatoriaes publicados, sujeitando á revisão aquêlles que não poderem sêr revogados inteiramente, sem prejuízos de maior vulto; dissolvêr tôdas as commissões districtaes, municipaes e parochiaes, nomeadas, restituindo á sua jurisdicção as antigas commissões districtaes, câmaras municipaes e juntas de paróchia, até que sejam eleitas as corporações administrativas, pâra o que se fixará um dia breve; convocar as cortes para, conforme a lei, ractificar o juramento real; encurtar o período eleitoral, fixando nôvo dia pâra se reunirem os collégios eleitoraes convocados pâra 5 de abril, devendo as eleições de deputados realizar-se na segunda quinzena de março.



As conclusões de Júlio Gama...


Depois do regicídio
Não nos é possível relatar, mêsmo succintamente, os factos subsequentes á tragédia do dia 1 de fevereiro, que dêsde essa data têm enchido columnas compactas da imprensa diária. Mas a impressão geral, que ainda subsiste, essa talvêz possamos reuní-la em poucas palavras :
O país parece despertar de um medônho pesadêlo. As revelações que agora vêem a lume, aínda que algum exaggêro contenham, não deixam a menor dúvida sôbre o carácter tumultuário, violento, oppressivo da situação política a que o attentado do Terreiro do Paço pôz um desfecho terrível, mas de algum modo lógico. Quem se der ao trabalho de relêr o que dêsde ha dois mêses vinham escrevendo os jornaes desaffectos ao govêrno presidido pêlo sr. João Franco, verificará que repetidas vêzes foi apontado o perigo
de uma reacção tremenda - e foi o que se deu. E aquêlles mêsmos que humana e sinceramente condemnam o acto sanguinário em que essa reacção se concretisou, não occultam o seu horrôr ao considerarem as atrocidades e violências que podiam sêr perpetradas, e sem dúvida se preparavam, como os factos demonstram, á sombra dos decretos que haviam instituido um verdadeiro regime absoluto.


Carta de D. Manuel II ao chefe do governo, Ferreira do Amaral, entregando ao parlamento o poder total de decidir o orçamento da Casa Real. (Assina Manoel...)

Um dos primeiros documentos em que o novo rei, sensatamente aconselhado, quiz dar á satisfação e á opinião do pais, geralmente irritada pêla célebre questão dos adiantamentos á casa real, é a seguinte carta que o Diário do Govêrno publicou em 6 de fevereiro:

Meu presidente do concêlho – Devendo as côrtes, nos têrmos do artigo 80 da Carta Constitucional, fixar no comêço de câda reinado a dotação do rei, e desejando eu que o parlamento esteja inteiramente livre de tôda a indicação pâra resolvêr sôbre o assumpto, é meu firme propósito que a fazenda da casa real não utilize recursos que não tenham sancção parlamentar.
Creia me sempre seu muito amigo, Manoel.
5 de fevereiro de 1908.




Reposição das liberdades...

-A fôlha official publicou também um decreto considerando irritos e nullos os decretos de 20 de junho e 21 de novembro de 1907 e o de 31 de janeiro, que declara de nenhum effeito, annullando-os.
São êsses decretos: o que entregou a imprensa periódica á acção dos governadôres civis; o que entregou a instrucção e julgamento
de tôdos os delictos políticos ao juiz de instrucção criminal e seus ajudantes; e o que dava ao govêrno a faculdade de expulsar do reino ou de remettêr pâra as colónias os implicados políticos e tirava as immunidades parlamentares.
- Subsequentemente a êste decreto fôram postos em liberdade tôdos os prêsos políticos, entre os quaes se contavam os deputados dr. António José de Almeida, dr. Affonso Costa, dr. João Pinto dos Santos, o visconde da Ribeira Brava, os jornalistas João Chagas e França Borges e o tenente Alvaro Pópe.
-Foi publicado um decreto perdoando as penas impostas ás praças da armada pêla sentença proferida pêlo consêlho de guerra e marinha em 26 de agosto e 1 de setembro de 1906.
-O juramento de el-rei D. Manoel II só se realizará depois do Carnaval.



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Conclusões finais:

Júlio Gama não podia saber, nesta altura ainda, o tamanho do seu erro, ao apontar as medidas ditatoriais de João Franco como responsáveis pelo regicídio que, mesmo repugnândo-o, considera reacção popular lógica à política deste governante. Nem dois anos passariam para que D. Manuel II pagasse com o exílio a liberalização que encetou desde o início do seu reinado. Não era a liberdade o que os republicanos queriam, mas o poder, sendo ainda esta a explicação para, entre 1910 e 1925, Portugal ter tido oito presidentes da república e quarenta e cinco governos. Desta instabilidade política, recheada de golpes palacianos e acordos de bastidores, resultaria uma crise económico-social profunda, à qual a necessidade urgente de pôr um fim justificaria, em 28 de Maio de 1926, a marcha de Gomes da Costa desde Braga até Lisboa.

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